segunda-feira, 18 de maio de 2009

Flávio Kenup

A lenda viva do motociclismo viajou do Rio de Janeiro ao Alaska numa Traxx 110cc passando por 14 países.



Um motociclista desse, depois de tal mega realização (que é complicada, até para nós motociclistas estradeiros acreditarmos), deveria ganhar 3 estátuas feitas de mármore "dele montado na moto" com direito a placa de cobre relatando o feito e as 14 bandeirinhas dos países que ele cruzou. Uma para ser colocada na praça da Sé em São Paulo, outra na área térrea que existe antes de subir as escadas ou o elevador para ver o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, e outra na praça do Papa, no nobre bairro das mangabeiras na capital mineira, Belo Horizonte. Até para quem não é motociclista, esse feito é incrível e faz a gente pensar a respeito. Chama à atenção de qualquer pessoa. E é um marco feito por um brasileiro.


Conheço muitos motociclistas veteranos, pessoas que rodam em motos de altas cilindradas, mas que ainda não fizeram, nem de longe, o que o Flávio realizou. Tem que ser muito motociclista para fazer o que o Flávio fez e ter um espírito aventureiro e tanto. Se dedicar a todo um planejamento e organização, providenciar meses à disposição do projeto, e ter muita, mas muita determinação pessoal, além de ser um apaixonado por moto turismo.

Leia a entrevista e surpreenda-se ainda mais.

Flávio, como tudo começou e porque fazer uma mega-viagem dessa, pilotando uma moto de baixa cilindrada?

Já tinha uma experiência anterior, realizada em 2005, quando fui para a Patâgônia (Argentina) pilotando uma Honda Biz. Gostei tanto de tal viagem que na ocasião já decidi em fazer outra para o Alasca. Gosto mesmo é de viajar e conhecer novos lugares. Não tenho grana para viajar de avião ou navio.

É totalmente diferente rodar com moto de baixa cilindrada. As pessoas nos recebem de outra maneira. Eu curto mais viajar de moto de baixa cilindrada, porque você é obrigado a rodar em baixa velocidade e vê mais as paisagens. É menos estressante para mim. No mais é preciso tomar muito cuidado ao se viajar com motos pequenas, porque elas são mais frágeis.



Como foi planejar uma viagem dessas, com mais de 57.000km?

Olha, é difícil se planejar tudo. Uns 80% da rota eu estudei e planejei. Mas no caminho a gente muda ou sofre desafios não esperados. Em meu planejamento refleti muito sobre o quesito "solidão" que passei nessa viagem, por ter ído sozinho.

Fiz junto com engenheiros da Traxx todo um estudo sobre a mecânica da moto, as manutenções que precisariam ser realizadas durante a viagem e as quais eu mesmo fiz.

Decidi também acampar o máximo (para redução de custos) e para ficar mais no clima da aventura, não sair do quente (hotel) e ir para o gelado, porque assim ficamos mais acostumados ao ambiente o que facilita a mantermos o ritmo da viagem e não adoecermos. Levei barraca de camping, saco de dormir e fogareiro.

Como foi o seu percurso até o Alasca, saindo de Teresópolis/RJ?

1ª Etapa - ída

América do Sul

Brasil: Teresópolis, Sorocaba, Campo Grande e Corumbá;
Bolívia: Santa Cruz e La Paz.
Peru: Juliaca, Cuzco, Lima e Piura.
Equador: Guayaquil e Quito.
Colômbia: Cali, Medellín e Cartagenas.
América Central: Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala;

2ª Etapa

América do Norte
México: Mapastepec, Cuernavaca e Albuquerque;
EUA: Grand Canyon, Las Vegas, Los Angeles e Oregon.
Canadá: Vancouver e Whitehorse.
Alasca (EUA): Anchorage, Fairbanks, Cold Foot e Prudhoe Bay.

3ª Etapa - volta

América do Norte
Canadá: Slana, Whitehorse, Dawson Creek, North Battle Ford, Winnipeg, Quebec e Newfoundland.
EUA: Boston, New York e New Orleans.
México: Monterrey, Cidade do México e Mapastepec.


América Central

Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá.

4ª Etapa

América Sul

Colômbia, Barranquillas, Venezuela, Caracas e Tumeremo.
Brasil - Boa Vista, Manaus, Belém, Fortaleza e Teresópolis.

E como foi sua viagem até sair da América Latina e cruzar a América Central?

Sai do Brasil pelo Mato Grosso. Em Corumba peguei o trem até Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) e ai subi a carreteira (estrada antiga de terra batida) até Cochabamba (Bolívia).

Gostei muito da Bolívia, me acolheram muito bem. É um país pobre, mas eu adorei a receptividade. Fiquei 5 dias doente devido a altitude, fui cuidado por uma senhora camponesa. Numa casa de barro. Num vilarejo, parei para tomar um café, ai ela (camponesa) me deu um mate de coca, viu que eu estava ruim, disse que estava assim devido a altitude, me informou que o hotel mais próximo ficava há 150/180km. Há mais de 4000 metros de altitude seria impossível, do jeito que eu estava, chegar até lá. Ai fiquei na casa dela. Ela me cedeu um quarto (que era do filho), com bastante cobertor. Fiquei muito ruim, com febre alta. A camponesa queria falar com minha familia, mas resolvi não avisar. A dor de cabeça é incrível, não conseguimos nem "escutar nossos pensamentos", só mesmo na Bolívia há mais de 4000 metros de altitude para sentir uma dor assim.

No planejamento da viagem eu imaginava que isso pudesse ocorrer, mas eu não tinha como evitar, precisar passar pela Bolívia (país que não conhecia).

No 5o. dia, fiquei melhor e resolvi ir embora, bem cedo, sem falar com a Camponesa, porque eu sabia que ela não de deixaria sair. Fui embora e deixei um dinheiro para ela (tipo uns R$ 50 que é muito naquela região, é um bom dinheiro para eles). Logo na próxima cidade, voltei a piorar, fiquei "baleado de novo". Não dava para ficar 100%, esperar mais. Precisava seguir viagem.

Da cidade de Cartagena/Colômbia, peguei um barco, 5 dias de viagem, até a cidade de Porto Mel no Panamá. Um "veleiro de 5 pessoas". Escolhi ir por barco, ao invés de avião, devido aos custos e por ser mais emocionante.

Chegou no Panamá e iniciou sua rota na América Central, conte-nos um pouco sobre essa fase da viagem.

O maior país da américa central tem 600km de extensão. Na primeira barreira me disseram que eu não precisa de permissão para entrar com a minha moto, mas na 3a. barreira os policiais disseram que precisava. Era dia de jogo de futebol, Brasil e México, onde o Brasil goleou, por isso me lembro direitinho desse dia e tive que dormir na delegacia por 2 noites, aguardando a chegada do oficial que
iria estipular o valor da minha multa, por não ter a "permissão para a moto". A multa primeiro foi de US$ 100, mas disse que não tinha tal valor e caiu para US$50. Bom, atravessei para a Costa Rica. Sofri um acidente numa descida, mas graças a Deus não aconteceu nada nem com a moto, nem comigo. No Panamá e Costa Rica é preciso dar entrada e saída (carimbo no passaporte). As aduanas dos países da América Central, faz com que perdemos em média 3 horas de processos.


Costa Rica é um país muito bonito, mas está sendo controlado pelos americanos. El Salvador é bem pequenininho, o exército está nas Ruas, mas está seguro. Nicarágua é o país mais pobre da América Central. Na Guatemala tem bastante indígena e muitos fogem para trabalhar no México em troca de sacos de arroz. Enquanto os Mexicanos querem ir para os Estados Unidos. Uns querendo entrar para o 1o. mundo e outros para o 3o. mundo.

Depois de cruzar a América Central, entrou no México...

Eu segui pelo meio do México. Visitei umas das 7 maravilhas do mundo, umas pirâmides, que não me lembro agora dos nomes. Pirâmides do tamanho de um prédio de 30 andares.

Senti no povo mexicano o mesmo calor humano que temos no povo brasileiro. A cultura do México é riquíssima, exclusiva.

No México estava muito quente, paisagens com pouca vegetação, quase um deserto. No meio do México fazia uns 45o graus. No México o abastecimento de combustível é mais complicado, os postos são mais distantes.

Do México, entrei na fronteira do Novo México com o Texas, na cidade de El Paso. Fiz esse roteiro para eu poder visitar o Grand Canyon.


Finalmente nos Estados Unidos. Agora a viagem ficou mais fácil né, tem-se mais infra-estrutura nesse país?

Mais fácil nada, nos EUA só tinha a minha moto de baixa cilindrada (risos). As estradas highway por lá tem-se veículos trafegando em alta velocidade, eu me senti um "estranho no ninho". E os americanos não acreditavam que eu estava realizando a viagem do RJ até o Alasca. Os americanos consideravam incrível eu estar fazendo a viagem com a minha moto, cheguei a receber doações de vários americanos, uma vez ganhei US$ 200, e ganhava direto combustível nos EUA, que americanos que me conheciam na hora pagavam.

Entrei nos EUA pela cidade de EL PASO. A Fronteira dos EUA é totalmente diferente. Super profissional e segura. Coisa de 1o. mundo, claro! E fronteira com o México não é brincadeira (risos)!

Quando entrei nos EUA, comprei um notebook usado, porque precisava atualizar meu site - www.aventuraemduasrodas.com.br e o site da Traxx. Com fotos e textos, além de falar com a minha família todo dia pela Internet.

Nos Eua visitei Las Vegas por 6 dias, tinha um amigo lá que me conheceu durante a viagem numa revista online de moto, fez contato comigo e me convidou para ficar na casa dele por 6 dias. Las Vegas é uma cidade pequena, mas é uma cidade exclusiva, única e extraordinária.


Visitei também o Grand Canyon, que é demais! Você fica paralisado vendo os canyons com mais de 400 metros de altura. Fiquei dois dias por lá, dormindo em Camping. Nos EUA tem muitos campings, americano tem a cultura de acampampamento e motor-homes. Tem Campings privados e do governo, os privados custavam em média US$ 15 e os do governos uns US$3.

A gente acha que o americano anda com o "nariz em pé" e tal, que é metido. Mas não é nada disso. No Brasil é que desconfiamos um do outro. Por lá, se eles vêem que você está fazendo uma mega-viagem, eles valorizam, te admiram e o ajudam, sempre. Os gestos dos americanos me fizeram mudar a imagem que eu tinha dessa linda nação. É aquele negócio, conhecer e vivenciar e muito diferente de ler em livros e ver na TV.

Depois Canadá e Alasca...

No Canadá só acampei e nunca comi em restaurantes (muito caro). Eu jantava bem e tomava um bom café da manhã. Cheguei a acampar várias vezes em gramados de casas particulares. E muitas vezes eu
ganhava jantar, café da manhã, etc.

As estradas no Alasca são muito boas e diferente das estradas nos EUA, não vemos muitas placas "proibitivas", tais como: não se pode comer em determinado local, ficar em outro depois de um certo horário, etc.

O povo canadense me recebeu muito bem também.

No Alasca, para cruzar do oeste para o leste, são uns 800km, e metade em estrada de Rípio (terra com pedras), como na Patagônia
Argentina, mas sem o "vento patagônico" (quem conhece, sabe o que é). E é preciso ter cuidado com Ursos. Cruzei o Alasca, saindo da cidade de Fairbanks até a cidade de "Prudhoe bay" que é um pouco maior que uma rua e a economia gira em torno da exploração de petróleo. E ai voltei para Fairbanks, porque não dava para descer para o Canadá da cidade de Prudhoe Bay. É maginifico a beleza da natureza e paisagens no Alasca. Não tem asfalto, não tem cerca, não tem nada. De vez em quando passava um caminhão pipa (de água) para molhar a terra. Só natureza. Eu passei 12 dias dentro do Alasca, conheci indígenas que vivem do artesanato e da pesca, povo super hospitaleiro. No Alasca, só aparecem viajantes.

E ai, desceu e voltou da sua viagem ao Alasca (bem resumido, vamos abordar alguns pontos):

Atravessei o Canadá na volta, até Quebec em 35 dias. Foi uma viagem de 7500/8000km. Quebec praticamente só se fala Francês, o estado já quis ser emancipado do Canadá.

Na volta estive em Nova York, uma cidade louca e estressante. Mas eu estive por lá como turista, passei pelo bairro do Queens, Ilha de Manhattan, vi a estátua da liberdade, a área do World Trade Center, e muitos prédios. Mas confesso que gostei mais de conhecer a capital americana Washington.

Ao chegar no Brasil, de Belém/PA até Teresópolis/RJ, eu passei por 37 revendas da Traxx. Fora a fábrica que fica em Manaus/AM.

Algumas curiosidades e outras informações ditas pelo Flávio Kenup nessa entrevista:

- Segurança nos países da América Latina: nunca me senti ameaçado. Agora, confesso que eu fiquei com medo foi dos Policiais no norte do Peru, me senti ameaçado por policiais que sempre arrumavam algum problema na minha moto, e ai, eu tinha que dar dinheiro para prosseguir viagem;

- É preciso carteira internacional de vacina;

- A viagem do Flávio Kenup, levou 8 meses e meio, entre a ida e volta;

- México / EUA / Canadá (já sai com visto do Brasil - normal de turista, com entrada e saída em qualquer hora);

- América central não precisa de vistos para nós brasileiros;

- Moeda: dólar troca pelas moedas dos países. Cheguei a trocar moedas com viajantes de bicicletas. Se encontram muitos ciclistas nas estradas da América Central;

- Não senti os países da América Central pobres;

- Eu coleciono placas de veículos. Obtive em todos os países que passei;

- Não tem essa de atravessar o Canal do Panáma, como ouvimos falar, a não ser que se alugue um Containner, o que é caríssimo. Ou voce atravessa o mar do Cáribe, ou um outro que tem lá;

- As mulheres colombianas são lindas, super simpáticas;

- Eu sempre andava com um pacote de macarrão, um pacote de feijão, pão, barra de proteínas, água - o básico, do básico ao menos (pão e água);

- Levei 60kg de bagagem;

- Rodei entre 60km e 70km/h. Tinha autonomia de mais de 250km para reabastecer (com os tanques reservas que fiz na moto);

- Não tive problemas de abastecimento, segurança, de nada disso. Basta viajar com "espírito de viajante";

- Com tudo na viagem eu gastei só R$ 20 mil;

- Fui patrocinado pela Traxx, Prefeitura de Teresópolis, pelo empresário Sergio Bufaro, pela empresa Trilhas e Rumos e apoio da minha família;

- Fui pela costa do pacífico e voltei pela do atlântico;

- O único problema que deu na Traxx Sky 110cc, só quebrou o cabo do velocímetro, eu tinha um sobressalente e o troquei. Fiz um teste na moto antes de fazer essa viagem, rodei uns 740km em um dia. Utilizei 4 pneus traseiros e 2 dianteiros. Levei correia, coroa e pinhão. A coroa e o pinhão da Traxx não quebram nunca! A moto utilizou 15 gasolinas diferentes pelos países que passei, rodou no calor excessivo e no inverno rigoroso. A moto se comportou muito bem. Fiz revisão durante toda viagem, eu mesmo fazia a revisão e manutenção.

- " Tudo na vida é perigoso, até atravessar a Rua, o que temos que fazer é conhecer o que o mundo tem para nos mostrar.";

- Tem umas 1300 fotos que eu tirei na viagem toda. Vou fazer um livro com as fotos e um material muito legal (vide site www.aventuraemduasrodas.com.br);

- Eu peguei muita chuva na América do Sul, Central, América do Norte... mas eu já estava rodando devagar, então não afetou muito. Colocava a capa de chuva e pronto;

- No méxico a gastronomia é bastante apimentada. As praias mexicanas são lindas;

- Na volta, ao chegar no Brasil, de Belém/PA até Teresópolis/RJ, eu passei por 37 revendas da Traxx. Fora a fábrica que fica em Manaus/AM;

- Foi usado um rastreador na moto, onde por toda a viagem (ida e volta) ele mostrava via Internet, onde eu estava, se estava parado ou andando e tudo mais. Funcionava até via Google Earth. Esse equipamento foi muito útil no sentido de localização real-time do meu percurso, acessível via Internet.

- Na América do Sul, só ainda não viajei para o Deserto do Atacama, que quero fazê-lo, no mais, agora tem também a Europa, Ásia, África e Oceania!

Entrevista feita por: Policarpo Jr. / São Paulo - SP

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